Alguns vezes o noticiário traz assuntos que precipitam julgamentos que não coadunam com a realidade fática e muito menos com os direitos envolvidos e protegidos.
Durante dias o assunto mais falado foi sobre a administração dos bens dos filhos, enquanto menores, por genitores. A cautela se impera e deve prevalecer para que não sejam aplicados direitos diversos dos que realmente seriam corretos aos fatos narrados.
Aos pais cabe a administração do patrimônio dos filhos, enquanto menores, pois ainda estão sob o poder familiar. Este poder deve ser exercido com parcimônia e cautela, pois os genitores, enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens dos filhos e têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.
Deve ser observada que a permissão de administração dos bens dos filhos menores pelos pais não é absoluta, e havendo divergência poderá qualquer um dos genitores recorrer ao juiz para a solução necessária.
Em que pese o amplo poder de administrar, existe atos que não são permitidos, mesmo que sob o poder familiar; a exemplo podemos citar: a alienação ou a gravação de ônus real dos bens imóveis; também não é permitido contrair em nome dos filhos qualquer obrigação que ultrapasse os limites da simples administração; a prudência aconselha que em caso de dúvida seja requerida autorização judicial para tanto, para que ao futuro não seja arguida nenhuma nulidade ou malversação do dinheiro ou patrimônio dos filhos menores.
Ao filho é garantido o direito de buscar a declaração judicial de nulidade para os atos que infrinjam ou extrapolem a proibição legal da administração, ocorrida sob o poder familiar.
Outra regra que é preciso estar atento é a exclusão do direito de usufruto e de administração dos bens dos filhos menores, mas que já tenham completado dezesseis anos, quando estes bens forem adquiridos com valores resultantes do exercício de atividade profissional; também se exclui os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais e dos bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão, como cláusula restritiva em ato de disposição de última vontade ou doação.
O legislador atento a possibilidade do interesse dos genitores colidir com a do filho determina a nomeação de um curador especial, caso corriqueiro em processo de inventário quando a partilha pende sobre os bens deixados pelo pai falecido e que deve ser dividido com o genitor viúvo.
Chama a atenção que o caso que a mídia vem noticiando nos últimos dias não diz respeito a administração de bens de filha menor, vez que já atingiu a maioridade e inclusive pode até já ter perdido o direito de uma ação de prestação de contas contra seus genitores em razão desta administração ocorrida quando ainda era menor, e estava sob o poder familiar.
É plenamente possível o filho exigir as contas de seus genitores pelo exercício do poder familiar por ocasião de sua menoridade; mesmo que exercendo o direito de usufrutuários legais dos bens do menor, este direito deve ser exercido visando atender ao princípio do melhor interesse do filho, não lhes conferindo liberdade total para utilizar o patrimônio do filho, pois não é absoluto este direito. E qualquer ato que caracterize o abuso de direito deve sim ser questionado judicialmente, sob pena de haver total desrespeito a espírito da norma que é a preservação dos interesses do menor.
Deve-se ficar atento ao prazo para o exercício da ação de prestação de contas e como não existe uma unanimidade entre os doutrinadores de qual seria o prazo, prudente ajuizar a ação no menor prazo, ou seja, de três anos, a contar da maioridade do filho; sob pena de não o fazendo acabar por perder o direito de exigir na justiça a ação de prestação de contas.
Logo, é necessário separar o joio do trigo, quando a administração é feita pelos genitores enquanto o filho ainda é menor e este direito diz respeito ao poder familiar; já quando o filho é maior foge a alçada do poder familiar devendo os atos de administração serem analisados sob a ótica do direito societário e empresarial.
Cabe ao advogado especialista analisar o caso concreto, distinguindo os fatos para poder aplicar o melhor direito à espécie.
Dra. Mônica Cecílio Rodrigues – advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.
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