As regras legais de nosso país que determinam os objetos partilháveis de acordo com o regime de bens entre o casal, por vezes não é suficiente para alcançar a existência de todo tipo de bem, ficando ao desabrigo de regulamentação algumas espécies.
Entretanto, frente a necessidade de solução deste impasse, foi levada a Corte Superior para decisão, uma questão interessante onde se discutia a partilha de bens, no regime de comunhão parcial, que seria uma propriedade irregular ou adquirida sem formalidades que a maculem.
Pois bem, o sentido do regime de comunhão parcial de bens é a possibilidade de partilhar todos os bens que compõem o acervo do casal, denominados de bens comuns, vez que foram adquiridos na constância do casamento.
Contudo, a legislação muito rigorosa tipifica somente os bens que são formalmente adquiridos e em momento algum descreve direitos que possam existir, mas que, todavia, ainda não estão regularizados como bens registrados.
O julgado é pontual e acerta quando dá valia a bens e direitos que tem expressão econômica, adquiridos na constância do casamento e que não estão legalmente regularizados ou formalmente constituídos em nome do casal. Citando o exemplo clássico de imóveis que ainda pendem de regularização para o registro imobiliário.
Quando vislumbra que não existe má-fé na falta de regularização, e mais, validando o direito de propriedade e o direito de posse, perfilhando a possibilidade de valor econômico ao segundo, decide que é possível a partilha dos direitos possessórios sobre o bem construído em loteamento irregular, uma vez que o momento é sobre a divisão do patrimônio, relegando para posteriormente ser resolvido a questão de regularização e formalização sobre o citado bem imóvel.
A negativa do juízo primevo em partilhar o bem pertencente ao acervo conjugal pela justificativa de sua irregularidade não merece acolhimento; simplesmente porque, não é a falta de regularidade do registro deste bem que lhe descaracteriza como bem partilhável e adquirido na constância do matrimônio.
Portanto, deve haver uma divisão, sob pena de haver um enriquecimento ilícito por parte daquele cônjuge que se nega a partilhar.
É imperiosa a interferência judicial neste caso; e de mais a mais, a irregularidade ou a falta de formalismo que caracteriza este patrimônio não o desnatura como bem partilhável, como já dito anteriormente; e muito menos lhe retira o valor patrimonial.
Não poderá jamais ser relegada para uma sobrepartilha ao argumento de que há necessidade de regularização para ocorrer a divisão entre o casal. Caso permanecesse esta decisão restaria patenteado um capenga prestação jurisdicional, sem sombra de dúvida. E mais, com evidente prejuízo ao cônjuge que não está desfrutando da posse ou dos direitos que a propriedade, mesmo que irregular, são protegidos.
Permita-nos dizer, em alto e bom som, o Tribunal errou e errou feio quando decidiu que somente após a regularização do imóvel este terá “expressão econômica protegida pelo ordenamento jurídico”, e para seguir se a posterior sobrepartilha. Jamais poderia ser condicionado o registro ou a regularização do imóvel para que houvesse a partilha, ou seja a tutela jurisdicional pretendida.
O que nos resta pensar dos artigos da lei civil que protege e garante ao proprietário e possuidor a proteção legal de usar, gozar, dispor e de reaver de quem injustamente possua o seu bem, foram esquecidos?
Mesmo diante das irregularidades que existam e impeçam o registro do bem imóvel, a posse de boa-fé deve ser protegida e esta proteção tem garantia legal, principalmente, quando tem valor econômico, não podendo ser impossibilitada a partilha em razão de discussões relativas a formalidade da propriedade; e esta sim, deve ser relegada a um segundo plano!
Dra. Mônica Cecílio Rodrigues – advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária. (Este texto foi escrito em 05-10-2020)
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